"Todo dia ela faz tudo
sempre igual..." Talvez esta primeira frase dessa canção do Chico Buarque
possa nos distrair um pouco, e nos afastar da ideia acerca do nosso cotidiano. Ou
melhor, pode nos enganar quanto ao seu conceito verdadeiro. Se não vejamos: será que quando saímos de casa pra trabalhar, estudar, ou o que quer que seja,
o nosso estado de espírito não influencia na construção desse
"cotidiano"? A mulher à qual o Chico beija no final de cada estrofe
da canção todo dia tem um gosto diferente na boca. E assim acontece sempre em
nossos movimentos diários.
Podemos
citar e sequenciar tudo o que fazemos, ou o que estamos predispostos a fazer
durante a semana. "Bom, hoje depois que eu escovar bem os meus dentes pela
manhã, vou sair de casa, entrar no carro, ligar o rádio e fazer o que eu tenho
fazer". Mas e se o pneu do carro furar e eu ficar indignado? E se eu cair
no chão e bater a cabeça enquanto escovo os dentes e for pro hospital? E se eu
ouvir no rádio que ganhei na Mega Sena? A nossa vida nunca é igual. É
pragmático e simplista se dizer que o cotidiano é o "diário". Podemos
ter na nossa agenda mental o passo a passo das nossas tarefas. No entanto, não
temos controle algum dessa rotina e da maneira que vamos nos sentir. Achamos
que temos. Mas isso é pura ilusão.
Dia desses,
fiz aniversário. Sempre gostei de aniversários. Era uma sexta-feira, havia
aula, tive que trabalhar... Fiz tudo que se faz no meu "cotidiano",
como o conhecemos. Mas lhes garanto que não foi um dia típico. Tudo foi
diferente. O gosto das coisas. O cheiro do ar. O carinho das pessoas. A ocasião
me influenciou a me sentir diferente. Contudo, fiz tudo o que sempre faço. E
engana-se o leitor se acha que me apeguei num sentimento não muito recorrente
para reforçar essa tese. Sempre, sem perceber, estamos diferentes. Seja ainda
porque nosso time do coração perdeu, ou porque conhecemos o amor da nossa vida
na festa do último sábado.
Cotidiano
está longe de ser o conjunto de ações que fazemos todos os dias. Cotidiano são
todas as emoções, sensações, e imprevistos que acontecem nos cenários que frequentamos
desde o momento em que acordamos. E é isso que nos faz. É isso que nos tange. É
isso que a nossa vida representa. Esse é o nosso cotidiano. Sempre beijamos a
mulher, ok. Mas quem garante o gosto que sua boca vai ter? E acho que essa é a
graça da vida: nunca sabemos se sentiremos gosto de feijão, paixão, hortelã,
pavor ou café.
BS
BS
chico entende a alma.
ResponderExcluirmaior poeta brasileiro.