Uma
ruela escura e com muros dos dois lados. Em cima, no horizonte, prédios
gigantes, no lado esquerdo bem iluminado, letreiros imensos “ENCONTRE JESUS”
“GANHE DINHEIRO FÁCIL” “VIVA”. No outro lado tudo era escuro, prédios cheios de
mofo, sem pintura, letreiros meio apagados e mensagens em lençóis “TRAGO A
PESSOA AMADA EM 24 HORAS” “JESUS VOLTARÁ” “MORRA”.
Na frente não havia
letreiros, não havia prédios, a ruela dava numa avenida movimentada, um atalho
para a casa do namorado, era só atravessar a ruela, apertar o botão e esperar
30 segundos, atravessar a rua e tocar a campainha, pronto, o namorado apertava
outro botão, ela subia e era só alegria, muito amor até o outro dia.
Ventava,
seus cabelos gritavam pra trás, uma mão no bolso, fumaça saía da boca por culpa
do frio escaldante e por ventura do cigarro que agora estava na mão
desprotegida do frio, a fumaça saía da boca feito em um trem daqueles antigos.
Podia fazer outro caminho que não a ruela, porém este demoraria bem mais e
então isso a fez pensar. Pensou e decidiu enfrentar o medo que tinha da ruela
escura, pensou e por pensar em poupar dez minutos de caminhada ela decidiu
enfrentar a escuridão. Entrou na ruela pisando forte, a bateria o celular
acabou, acabou a música. Escutava seus passos batendo nas pedras pequenas, 40 metros de ruela, cara
fechada, certo medo e a vontade de sair dela logo. Pensou em voltar e fazer o
outro trajeto, mas quando olhou pra trás desistiu, pensou ser bobagem e seguiu em frente. Lá no fim ela
enxergava os carros passando rapidamente, alguns ônibus, buzinas e pessoas
cruzavam na frente da ruela, seguia com passos firmes, seu único desejo era
sair dela logo.
As
sombras cruzavam lá na frente e isso não tinha importância alguma, não tinha
importância alguma até que uma das sombras entrou na ruela. Era homem, parecia
ser grande e estava encapuzado.
Na cabeça passava apenas o
pensamento de que algo muito ruim poderia acontecer, poderia ser estuprada,
morta, roubada. Ser roubada era o de menos, só queria sair da ruela, ver o
namorado e sair sem maiores estragos.
O tempo passava rápido, os
carros zuniam, os passos apertaram, só queria cruzar com o elemento e sair logo
da ruela, era passo passo passo, também já podia ouvir os passos dele, tudo
voava, os letreiros piscavam loucamente, os lençóis balançavam, as sombras
rasgavam lá na frente.
A respiração se tornara
ofegante, o cigarro acabou, a música acabou, o coração prestes a explodir e
então tudo para, o sujeito cruza pela sua esquerda e nem olhou pra ela. Alívio,
agora faltava pouco para o fim da ruela e se desfez da preocupação, ufa. Soltou
a respiração que estava presa e pensou pronto, agora é só questão de minutos
pra sair desse lugar.
Então
escutou passos atrás, tudo volta, coração dispara, carros zunem, letreiros
gritam, lençóis se batem, sobras rasgam, o cigarro acabou e a musica parou.
Olhou pra trás apavorada e lá estava o rapaz encapuzado novamente, agora ele a
olhava e também falava “Seguinte guria, não grita, não faz nada que tu vai fica
bem, só me passa o dinheiro e o celular”
Ela não conseguia pensar,
estava tomada pelo medo, se virou e tentou correr, avançou uns metros, estava
quase na rua movimentada, os carros agora cruzavam mais pertos, a casa do
namorado estava mais perto, já conseguia enxergar o botão que tem que apertar
pra cruzar a rua e quando foi gritar uma mão na boca a impediu, se debateu, o
casaco de couro cedeu pra um material prateado, se deixou entrar, o casaco de
couro que não é couro de verdade, tem cor azul e cedeu, deixou entrar, a
camiseta por baixo do casaco fez o mesmo, cedeu e deixou entrar, a pele macia
da barriga entrou na dança e também o fez, cedeu e então veio a dor, ela caiu,
mais uma vez a faca entrou, em outro lugar agora, mas o casaco, a camiseta e a
pele repetiram sua atuação de uns segundos atrás e cederam.
Era
isso, era o fim, a cabeça se foi pra esquerda, viu os carros agora cruzando
lentamente, o botão, a casa do namorado conseguiu imaginar e até mesmo se viu
lá, apertando o interfone.
Sentiu as mãos do sujeito
pegando suas coisas, ele levou o cigarro e o celular, deu uns passos e voltou,
procurou no bolso da calça e achou a carteira e o isqueiro e ai sim se foi, ela
o viu correndo até o fim da ruela e entrando na paralela com a rua movimentada.
Não tinha forças para algum grito ou caminhada, deitou a cabeça pra trás,
pensou nos passos que faltavam pro fim da rua, no namorado, na vida toda pela
frente, na vida toda para trás. Pensou então no rasgo na pele, passou a mão
pela barriga e ergueu-a até poder ver, estava cheia de sangue. A vista por uns
instantes se fechou e quando se abriram ela olhava diretamente para o letreiro
meio apagado que estava no prédio no horizonte escuro a sua frente. No letreiro
estava escrito “MORRA”. E então, ela assim o fez.
MA