terça-feira, 15 de maio de 2012

Na preguiça, no escuro


Uma ruela escura e com muros dos dois lados. Em cima, no horizonte, prédios gigantes, no lado esquerdo bem iluminado, letreiros imensos “ENCONTRE JESUS” “GANHE DINHEIRO FÁCIL” “VIVA”. No outro lado tudo era escuro, prédios cheios de mofo, sem pintura, letreiros meio apagados e mensagens em lençóis “TRAGO A PESSOA AMADA EM 24 HORAS” “JESUS VOLTARÁ” “MORRA”.

Na frente não havia letreiros, não havia prédios, a ruela dava numa avenida movimentada, um atalho para a casa do namorado, era só atravessar a ruela, apertar o botão e esperar 30 segundos, atravessar a rua e tocar a campainha, pronto, o namorado apertava outro botão, ela subia e era só alegria, muito amor até o outro dia.
Ventava, seus cabelos gritavam pra trás, uma mão no bolso, fumaça saía da boca por culpa do frio escaldante e por ventura do cigarro que agora estava na mão desprotegida do frio, a fumaça saía da boca feito em um trem daqueles antigos. Podia fazer outro caminho que não a ruela, porém este demoraria bem mais e então isso a fez pensar. Pensou e decidiu enfrentar o medo que tinha da ruela escura, pensou e por pensar em poupar dez minutos de caminhada ela decidiu enfrentar a escuridão. Entrou na ruela pisando forte, a bateria o celular acabou, acabou a música. Escutava seus passos batendo nas pedras pequenas, 40 metros de ruela, cara fechada, certo medo e a vontade de sair dela logo. Pensou em voltar e fazer o outro trajeto, mas quando olhou pra trás desistiu, pensou ser bobagem e seguiu em frente. Lá no fim ela enxergava os carros passando rapidamente, alguns ônibus, buzinas e pessoas cruzavam na frente da ruela, seguia com passos firmes, seu único desejo era sair dela logo.
As sombras cruzavam lá na frente e isso não tinha importância alguma, não tinha importância alguma até que uma das sombras entrou na ruela. Era homem, parecia ser grande e estava encapuzado.
Na cabeça passava apenas o pensamento de que algo muito ruim poderia acontecer, poderia ser estuprada, morta, roubada. Ser roubada era o de menos, só queria sair da ruela, ver o namorado e sair sem maiores estragos.
O tempo passava rápido, os carros zuniam, os passos apertaram, só queria cruzar com o elemento e sair logo da ruela, era passo passo passo, também já podia ouvir os passos dele, tudo voava, os letreiros piscavam loucamente, os lençóis balançavam, as sombras rasgavam lá na frente.
A respiração se tornara ofegante, o cigarro acabou, a música acabou, o coração prestes a explodir e então tudo para, o sujeito cruza pela sua esquerda e nem olhou pra ela. Alívio, agora faltava pouco para o fim da ruela e se desfez da preocupação, ufa. Soltou a respiração que estava presa e pensou pronto, agora é só questão de minutos pra sair desse lugar.
Então escutou passos atrás, tudo volta, coração dispara, carros zunem, letreiros gritam, lençóis se batem, sobras rasgam, o cigarro acabou e a musica parou. Olhou pra trás apavorada e lá estava o rapaz encapuzado novamente, agora ele a olhava e também falava “Seguinte guria, não grita, não faz nada que tu vai fica bem, só me passa o dinheiro e o celular”
Ela não conseguia pensar, estava tomada pelo medo, se virou e tentou correr, avançou uns metros, estava quase na rua movimentada, os carros agora cruzavam mais pertos, a casa do namorado estava mais perto, já conseguia enxergar o botão que tem que apertar pra cruzar a rua e quando foi gritar uma mão na boca a impediu, se debateu, o casaco de couro cedeu pra um material prateado, se deixou entrar, o casaco de couro que não é couro de verdade, tem cor azul e cedeu, deixou entrar, a camiseta por baixo do casaco fez o mesmo, cedeu e deixou entrar, a pele macia da barriga entrou na dança e também o fez, cedeu e então veio a dor, ela caiu, mais uma vez a faca entrou, em outro lugar agora, mas o casaco, a camiseta e a pele repetiram sua atuação de uns segundos atrás e cederam.
Era isso, era o fim, a cabeça se foi pra esquerda, viu os carros agora cruzando lentamente, o botão, a casa do namorado conseguiu imaginar e até mesmo se viu lá, apertando o interfone.
Sentiu as mãos do sujeito pegando suas coisas, ele levou o cigarro e o celular, deu uns passos e voltou, procurou no bolso da calça e achou a carteira e o isqueiro e ai sim se foi, ela o viu correndo até o fim da ruela e entrando na paralela com a rua movimentada. Não tinha forças para algum grito ou caminhada, deitou a cabeça pra trás, pensou nos passos que faltavam pro fim da rua, no namorado, na vida toda pela frente, na vida toda para trás. Pensou então no rasgo na pele, passou a mão pela barriga e ergueu-a até poder ver, estava cheia de sangue. A vista por uns instantes se fechou e quando se abriram ela olhava diretamente para o letreiro meio apagado que estava no prédio no horizonte escuro a sua frente. No letreiro estava escrito “MORRA”. E então, ela assim o fez.


 MA

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